segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Para viver um grande amor...

"Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor."

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Ou só sem querer?


"Sei que as vezes uso palavras repetidas, mas quais são as palavras que nunca são ditas? 
(...) Já não me preocupo se eu não sei por que, as vezes o que eu vejo, quase ninguém vê! E eu sei que você sabe, quase sem querer, que eu vejo o mesmo que você."

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Olhar pequenalto

(Certamente, lembrar daquele olhar ainda vai me marcar por uma longa data)
O olhar daquela criança  na minha direção estava me deixando aflita. A fixação... Parecia me reconhecer. Olhava, como se estivesse me anotando, me decorando, mas já sabia de cor. O exagero da falsa intimidade descoberta, uma retrospectiva breve nos meus olhos...
Sabia o que estava acontecendo comigo naquele momento. Estava enxergando além dos meus olhos: pude sentir. As sobrancelhas contorcidas pareciam como as de quem compreende um ensinamento ou alguma teoria mirabolante (e me enquadro nisso)! Alguém que tenta memorizar as cicatrizes de outro mundo, de outra alma.
Nunca vou me esquecer daquela criança. Nunca vou esquecer do que senti quando alguém enxergou além de mim, sem sequer dizer uma palavra.
E só fui entender hoje: todos temos um conhecimento assim, repentino, que não carece de palavras. Basta olhar, olhar, para saber onde brota a dor e a alegria em cada um. Somos como essa paisagem que enfeita a minha janela: calma, meio turbulenta em alguns instantes, mas traz sintonia, sim. E merecemos cada segundo dessa afinada cumplicidade. Só é preciso de sensibilidade e sol (interno).
Obrigada, criança!    

Música que escutei para escrever: 

https://www.youtube.com/watch?v=i3ZqZ9wtfWk




Penalizo: dos que dizem que não tenho mais idade para ilusões, desconfio.
É como me sinto: uma eterna Alice.
Ser verdinha até não mais poder.