... Se eu peco é na vontade de ter um amor de verdade...
E olhando pra mim de pertinho - como consigo? -, meus pequenos olhos verdes estavam brilhando e miravam um ponto fixo. Apaixonante. Apaixonada. Desejava perguntar a mim se era por alguém ou pela vida (ou quiçá pelo Sol, né?!). Redemoinhos de pensamentos surgiam em mim. Ora bolas, que raios de ideias podiam se intercalar em dois seres que são um só?
Quis saber de mim. Eu analisando os detalhes que o outro pedaço exibia. Olha só! Aquela pinta na testa parece muito menor daqui! E os detalhes do rosto são tão imperceptíveis, desnecessários. Só queria saber mesmo o que eu estava pensando...
Estou aqui, parada, pensando no que amo. Pensando em como o amor pode escapar de mim, desejando as surpresas boas que o destino divino trazera a mim. Quanto as pessoas... Ah, as pessoas... A vida sempre me trouxe um tanto delas. Algumas são nitidamente lindas, outras apenas nitidamente lindas fisicamente, deixo claro: fico com as primeiras, viu?! Sem distinção, é só uma questão de afinidade e harmonia...
Estranho! Tem uma moça me olhando... Uma moça de óculos. Ela se parece muito comigo, mas não consigo enxergar direito porque estou sem óculos e prefiro manter meus olhos intactos enquanto pensamentos fluem em mim. De relance, algumas coisas não deixei de reparar na moça: o jeito sutil que escolheu me observar, poderia até dizer, pelo jeito desastrado, que era eu em outra posição, com outra roupa e pensando outras coisas...
Tira os olhos fixos daí, menina! Eu tô aqui e só preciso te dar alguns poucos conselhos, você parece não me perceber! Temos quase a mesma idade - ham?! Quase? - falei baixinho, só estou três anos a sua frente! OLHA PRA MIM!
Será que essa moça não vai parar de me anotar mentalmente, não? Vou me virar, levantar, e me aproximar, já que é quase um clone a céu aberto, vou arriscar e tentar não enxergar embaçado tal como está agora. Remexo, viro, levanto, ando, olho.
Acho que ela está pensando em vir até aqui, eu sei que está! Não posso ir até você, é uma lei. Olha! Olha! Está se remexendo, no mínimo, está atordoada com meus olhares incessantes...
Chego perto, ela vira com olhares de ressaca, de cigana oblíqua e dissimulada, e me diz: - menina... Grava bem, tá?! Mas o amor... Sabe o amor? Aquele que você jura de pé junto, teimando, vivê-lo? Ele está em todo canto, não te preocupes, não. E sabe do que mais...?!
Meu coração estava batendo forte demais... Era confuso e era eu!!! Só precisava dos meus óculos!
- A felicidade bate na porta. A felicidade, minha verdinha, como diria Drummond, ela bate na aorta, pra quê tantos pensamentos?
- Peraí, você sou eu e quer me dar conselhos? Acho que somos grandinhas o bastante e parecidas o bastante para...
- Não sei se você reparou, mas tenho 4 rugas a mais e nem usamos o mesmo corte de cabelo! É... As coisas mudam... Mudam tanto, que eu ia te dizer: sem essa de "pra sempre"! E, POR FAVOR, para de mirabolar seu futuro! Eu tô nele, e só ganhei rugas, como pode ver... Mas estou tão feliz... A vida me surpreendeu! E era isso que eu esperava a exatos três anos atrás.
- Preciso te perguntar...
- A máquina do tempo só dura alguns minutos. Preciso ir. Sem perguntas.
- Ele...
- Xiu!!! Sem perguntas!
- Você é louca?
- Louquinha. As melhores pessoas são assim!
- Percebo que o vocabulário ainda é mesmo. Vê se roda o disco no futuro!
- Vê se roda o disco no presente! "Disco"... Sorri pelo canto da boca, aquela palavra combinava tanto comigo...
- Será que você...
- Três anos de diferença e a evolução íntima foi sincera! Eu amo você, verdinha.
- Eu não amo você, não. Eu não te conheço, mesmo você sendo eu do futuro com um cabelo legal e roupa clássica... E um óculos... Gostei dos óculos... Minha cara!
- Você vai aprender a amar a todos mesmo sem conhecer, verdinha... Em três poucos anos... Ah, vai, sim!
- Se você está dizendo... Quem sou eu pra negar, não é? Aliás, quem sou eu?
- O mais importante é que...
Pisquei e... - Onde ela se meteu? Mas... Poxa! Mas poxa vida! Desastres e sorte andam mesmo de mãos dadas em mim. Suspirei, guardei um silêncio, pronunciei brevemente ao vento: na minha vida, a chuva sempre cede lugar o sol! E lembrei de um verso de Clarice: fico as vezes reduzida ao essencial, quero dizer, só meu coração bate. Isso já explicava tudo. Tudinho.